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Da validade da coobrigação contratual da cláusula "Pro Solvendo” por Felipe Zago.

Sabe-se que há muitos julgados que declaram a invalidade da cláusula “pro solvendo”, trazendo insegurança jurídica para o setor, uma vez que a coobrigação é essencial para a finalidade econômica a que se destina a operação.


Qualquer decisão judicial no sentido de vedar a coobrigação, ademais, violaria o princípio da autonomia da vontade, não apenas na indústria das FIDC´s, mas também no segmento de securitização e no mercado de capitais como sistema, trazendo prejuízos à coletividade de investidores que eles representam.


Ao limitar a coobrigação do cedente, há um exponencial risco de inadimplemento dos créditos cedidos em operações de securitização, alterando as características de cessões realizadas de boa-fé com fundamento nas normas exaradas a respeito do tema pela CVM, contribuindo para a perda da confiabilidade e transparência do mercado no processo de securitização, na contramão, inclusive, das recomendações dos organismos internacionais a respeito do tema.


Os FIDCs, que são regulados pela CVM, desempenham um importante papel na economia, pois voltadas ao propósito específico da securitização de recebíveis por meio da aquisição de direitos creditórios.


Securitizar é mobilizar capitais de investidores, pela modalidade de transmissão obrigacional da cessão onerosa de direitos creditórios do credor deficitário, por um credor investidor superavitário, realizada pela compra negociada entre os agentes decorrentes da substituição na posição de credor a ser sub-rogada.


Não é demasiado dizer que tal atividade de securitização de recebíveis está autorizada por lei a promover captação de recursos de investidores pela emissão de debêntures ou quotas de fundos de investimento, desde que registrando previamente informações precisas, auditadas no sistema de full disclousure, com acesso público aos interessados, sobre os mais variados detalhes dos valores mobiliários que serão negociados (art. 19 e 21 da Lei. 6.385/76).


Dá-se tal autorização por força do Sistema Financeiro Nacional, que está dividido em 02 (duas) partes distintas: (a) supervisão e (b) operacionalidade, competindo a primeira a elaboração das regras de transferência de crédito entre agentes e o funcionamento das instituições responsáveis pela intermediação monetária, localizando-se na segunda os agentes, instituições financeiras, monetárias ou não, oficiais ou não, que realizam essa intermediação.


No topo da pirâmide de supervisão está o Conselho Monetário Nacional - CMN, a quem compete definir as políticas da moeda nacional e política econômica, abaixo do qual estão, por exemplo, o Banco Central do Brasil, instituição bancária que executa a política monetária e financeira interna e a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, órgão responsável por regulamentar, desenvolver, controlar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários do país.


E é amparada nessa robusta estrutura funcional e finalidade econômica que se funda a validade da cláusula contratual que estabelece a responsabilidade do cedente pela solvência do sacado/devedor por mero inadimplemento, disposição presente nos contratos de cessão de crédito firmados pelas FIDCs (cessionários).


Via de regra, a legislação civil considera imprópria a coobrigação da cláusula “pro solvendo”, a menos que haja expressa previsão contratual, do que resulta que a validade de tal direito pressupõe um ato de vontade das partes. Ou seja, a validade será, sempre e inevitavelmente, atrelada à disposição contratual.


É o que diz o art. 296 do CC, quando preceitua que “salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor”, ou seja, o cedente apenas ficará incumbido do pagamento da dívida se houver previsão contratual.


Não surpreende, portanto, que o art. 2º, XV da IN 356/2001 da CVM, que disciplina a atuação das FIDCs, reforce tais estipulações contratuais, ao afirmar que “...a obrigação contratual ou qualquer outra forma de retenção substancial dos riscos de crédito do ativo adquirido pelo fundo assumida pelo cedente ou terceiro, em que os riscos de exposição à variação do fluxo de caixa do ativo permaneçam com o cedente ou terceiro”.


Não há dúvidas, portanto, que a validade da cláusula “pro solvendo” na forma de coobrigação contratual, foi incluída na normativa da CVM para referendar sua inclusão nos contratos particulares de cessão de crédito firmados pelas FIDC´s. Até porque seria um contrassenso concluir pela invalidade de uma disposição contratual expressamente permitida pela CVM, entidade responsável pela regulamentação e fiscalização dos FIDCs.

Pode-se afirmar, dessa forma, que a cláusula “pro solvendo” tem o prestígio do princípio da autonomia privada das partes, reforçada recentemente com as alterações introduzidas pela Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) no título destinado aos contratos em geral, em especial os arts. 421 e 421-A, não implicando por lógico em vício de consentimento por parte dos contratantes, muito menos cláusula nula ou abusiva.


Tal entendimento já se reflete em decisões no STJ, a exemplo do REsp 1.726.161/SP, acórdão amplamente disseminado em diversos julgados, quando concluiu pela validade da cláusula contratual por meio da qual o cedente garante a solvência do devedor originário. Veja-se a ementa:


RECURSO ESPECIAL. FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS. MERCADO DE CAPITAIS. VALOR MOBILIÁRIO. DEFINIÇÃO LEGAL QUE SE AJUSTA À DINÂMICA DO MERCADO. SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS. CESSÃO DE CRÉDITO EMPREGADO COMO LASTRO NA EMISSÃO DE TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS. PACTUAÇÃO ACESSÓRIA DE FIANÇA. POSSIBILIDADE. CONFUSÃO ENTRE AS ATIVIDADES DESEMPENHADAS POR ESCRITÓRIOS DE FACTORING E PELOS FIDCs. DESCABIMENTO. CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLVENDO. VIABILIDADE. 1. Com a edição da MP n. 1.637/1998, convertida na Lei n. 10.198/2001, houve a introdução no ordenamento jurídico de conceituação próxima à do direito americano, estabelecendo que se constituem valores mobiliários os títulos ou contratos de investimento coletivo que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advenham do esforço do empreendedor ou de terceiros. A definição de valor mobiliário se ajusta à dinâmica do mercado, pois abrange os negócios oferecidos ao público, em que o investidor aplica seus recursos na expectativa de obter lucro em empreendimento administrado pelo ofertante ou por terceiro. 2. Os Fundos de Investimento em Direito Creditório - FIDCs foram criados por deliberação do CMN, conforme Resolução n. 2.907/2001, que estabelece, no art. 1º, I, a autorização para a constituição e o funcionamento, nos termos da regulamentação a ser estabelecida pela CVM, de fundos de investimento destinados preponderantemente à aplicação em direitos creditórios e em títulos representativos desses direitos, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, bem como nas demais modalidades de investimento admitidas na referida regulamentação. 3. Portanto, o FIDC, de modo diverso das atividades desempenhadas pelos escritórios de factoring, opera no mercado financeiro (vertente mercado de capitais) mediante a securitização de recebíveis, por meio da qual determinado fluxo de caixa futuro é utilizado como lastro para a emissão de valores mobiliários colocados à disposição de investidores. Consoante a legislação e a normatização infralegal de regência, um FIDC pode adquirir direitos creditórios por meio de dois atos formais: o endosso, cuja disciplina depende do título de crédito adquirido, e a cessão civil ordinária de crédito, disciplinada nos arts. 286-298 do CC, pro soluto ou pro solvendo. 4. Foi apurado pelas instâncias ordinárias que trata-se de cessão de crédito pro solvendo em que a recorrida figura como fiadora (devedora solidária, nos moldes do art. 828 do CC) na cessão de crédito realizada pela sociedade empresária de que é sócia. O art. 296 do CC estabelece que, se houver pactuação, o cedente pode ser responsável ao cessionário pela solvência do devedor. 5. Recurso especial provido. (REsp 1726161/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/08/2019, DJe 03/09/2019)


Ademais, sem querer adentrar na natureza jurídica das Securitizadoras, que por sua vez também pertencerem ao Mercado de Capitais, os Tribunais vêm reconhecendo a aplicação da cessão de crédito “pro solvendo”, conforme se verifica os Julgados abaixo prolatados pelo TJ/SP:


“Embargos à execução por título extrajudicial Duplicata inadimplidas Instrumento Particular de Cessão de Direitos Creditórios com Coobrigação e Outras Avenças Operação de securitização de recebíveis Cláusula de Recompra e de responsabilidade pela solvabilidade do crédito cedido, nos termos dos arts. 914 e 296 do Código Civil Cabimento da cobrança nesta hipótese, em face da cedente, por não se tratar de operação de factoring Naturezas distintas Improcedência dos embargos é medida que se impõe Afastamento da multa por interposição de embargos de declaração protelatórios Recurso provido” (Apel. nº 1009466-75.2017.8.26.0011, Rel. Des. Thiago de Siqueira, j. 20.03.2019).


“EMBARGOS À EXECUÇÃO Sentença de improcedência Insurgência dos embargantes Descabimento Não se trata de fomento mercantil, mas de contratação de coobrigação do cedente pela inadimplência do devedor Cláusula que prevê a responsabilidade do cedente pela existência e solvência dos créditos cedidos Requerida que, na qualidade de securitizadora, pode mover ação de regresso contra os embargantes-cedentes não apenas na hipótese de vícios nos títulos, mas também em casos de inadimplemento injustificado do sacado – Sentença mantida Recurso não provido” (Apel. nº 1119940-11.2015.8.26.0100, Rel. Des. Helio Faria, j. 10.10.2017).


Isso posto, resta válida a estipulação da cessão de crédito “pro solvendo” no mercado de capitais.




Artigo escrito por Felipe do Canto Zago, Sócio-Diretor da FZ Advogados.

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