top of page
Buscar

Recuperação Judicial e Mercado de Oportunidades: O Papel da UPI e do DIP Financing

  • Foto do escritor: Letícia Maracci
    Letícia Maracci
  • 3 de abr.
  • 8 min de leitura

Os ajuizamentos de processos de recuperação judicial vêm crescendo ano após ano, registrando um aumento de 8,7% em janeiro de 2025, em comparação com o mesmo período do ano anterior – um ano que, por sua vez, já havia apresentado um crescimento de 79% nos processos de soerguimento. Além do cenário econômico, um dos motivos para a crescente utilização dessa ferramenta como meio de superação de crises é a perda do estigma de que o processo de recuperação judicial antecipa a falência. Esse avanço se deve, em grande parte, às alterações na legislação, que vêm instrumentalizando novas operações. 

 

É inegável que o processo de recuperação judicial exige sacrifícios significativos dos credores e que seu ajuizamento ainda é visto como uma notícia amarga. No entanto, é fundamental reconhecer que ele também pode representar uma oportunidade para novos negócios e recuperação de crédito, nos moldes dispostos no art. 69-A da LERF: 

 

Art. 69-A. Durante a recuperação judicial, nos termos dos arts. 66 e 67 desta Lei, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.  
 

As mudanças na legislação falimentar trouxeram 02 (duas) figuras que merecem destaque: a venda de UPI – Unidade Produtiva Isolada e o DIP Financing

Embora ambas tenham como objetivo fortalecer o devedor e auxiliar na sua capacidade de soerguimento, sob outra ótica, podem representar boas oportunidades para a formação de novos negócios, especialmente para aqueles que já estão familiarizados com o mercado financeiro e com o risco das operações mercantis.

 

De forma simplificada, as UPIs correspondem a partes do patrimônio da Recuperanda que podem ser segregadas e alienadas sem comprometer sua capacidade de recuperação. Elas podem abranger desde imóveis e veículos até direitos creditórios. A alienação das UPIs é frequentemente prevista nos planos de recuperação judicial como meio de pagamento dos credores e para o aumento do capital de giro das empresas. 

Um ponto de atenção é que a aquisição de bens por meio da venda de UPI em processos de recuperação judicial – especialmente quando realizada por leilão – constitui uma modalidade originária de aquisição, ou seja, livre de todo e qualquer ônus. Esse entendimento está consolidado no art. 60, § único, da LREF

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei. 

Parágrafo-único.  O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei. (grifei) 

 

Embora a legislação não vede a venda de bens da Recuperanda durante o processo de recuperação judicial, desde que haja autorização judicial, para garantir que a aquisição seja livre de ônus, a alienação deve ocorrer por meio da caracterização de UPI e mediante leilão, conforme disposto no art. 142 da LREF. Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial: 

 

RECUPERAÇÃO JUDICIAL – GRUPO "PDG" – ALIENAÇÃO JUDICIAL DE "UPI" – INEXISTÊNCIA DE SUCESSÃO DO ARREMATANTE – ART. 60, LRJ - IMPUGNAÇÃO AO EDITAL DE LEILÃO DE UNIDADES PRODUTIVAS ISOLADAS (UPIs), CONFORME PREVISÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – ALIENAÇÃO JUDICIAL CUJO OBJETO FICA LIVRE DE ÔNUS – INEXISTÊNCIA DE SUCESSÃO PELO ARREMATANTE PELOS DÉBITOS DA RECUPERANDA – Inconformismo do credor agravante, que alega a nulidade do edital, em razão de (i) prever que a alienação das UPIs se daria sem sucessão do adquirente por quaisquer dívidas e obrigações do Grupo PDG, inclusive despesas condominiais; (ii) não mencionar as diversas execuções movidas pelo credor para a cobrança de referidos débitos condominiais, que maculam o imóvel – Não acolhimento – Conforme já deliberado pelas Câmaras de Direito Empresarial, inclusive em agravo de instrumento anterior envolvendo as mesmas partes, os créditos referentes às taxas condominiais têm caráter concursal – Interpretação do art. 49, Lei nº 11.101/2005 (LRJ) - A despeito de se constituir obrigação de natureza "propter rem", é certo que, pelo art. 49, LRJ, a taxa condominial não está elencada como crédito extraconcursal – Não bastasse, o art. 60, § único da Lei nº 11.101/05, bem como o próprio plano de recuperação judicial, preveem que a alienação se dará sem sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, incluindo-se, portanto, os débitos condominiais do imóvel – Nesse ponto, o art. 60, parágrafo único, LRJ, constitui exceção à regra prevista no art. 1.345, Código Civil, visto que a não sucessão pelos débitos condominiais é uma forma de estimular a aquisição por meio de alienação judicial de bens de empresa em recuperação judicial – Por fim, não há nulidade do edital no que se refere à menção das ações intentadas pela agravante, considerando que referidas execuções não são motivo para invalidar a alienação das "UPIs", tampouco atingir os direitos dos adquirentes, na medida em que os débitos exequendos continuaram sendo de responsabilidade das alienantes – Decisão mantida – RECURSO DESPROVIDO.  
(TJSP;  Agravo de Instrumento 2010431-64.2020.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Shimura; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 22/01/2021; Data de Registro: 22/01/2021). (grifei). 

 

Considerando o crescimento constante dos processos de recuperação judicial, cada vez mais protagonizados por empresas de grande porte, com patrimônio extenso e de alto valor — parte do qual, na maioria das vezes, é indicado como UPI para pagamento de credores — a participação nesses certames pode representar uma excelente oportunidade para a aquisição de ativos valiosos, livres de ônus e a preços mais acessíveis. Isso se deve ao fato de que a legislação falimentar afasta a caracterização de preço vil, conforme estabelece o art. 142, § 2º-A, V, da LRE

Por outro lado, a alienação de UPIs não se apresenta apenas como uma boa oportunidade para adquirentes diretos, mas também para credores que podem se beneficiar da venda desses ativos, especialmente quando vinculados ao cumprimento do plano de recuperação. Assim, estruturar junto à Recuperanda — ou por meio de um plano alternativo, quando aplicável — o pagamento de determinada classe de credores ou a criação de uma classe de credores colaborativos, utilizando os recursos provenientes da alienação da UPI, pode ser um mecanismo eficaz para viabilizar o recebimento em menor prazo e com menor deságio. 

Além disso, é comum que as vendas de UPIs sejam realizadas por meio da modalidade stalking horse, o que garante maior segurança e celeridade ao processo. De forma simplificada, a venda por stalking horse ocorre quando já há um licitante inicial, que estabelece um preço mínimo para o ativo, evitando sua desvalorização excessiva e assegurando maior previsibilidade à transação. 

Além da alienação de UPIs, a legislação passou a permitir a realização do DIP Financing junto à Recuperanda, mecanismo que viabiliza o financiamento do devedor. Através do DIP, é possível conceder recursos à empresa em recuperação, assegurando a operação por meio da constituição de garantias sobre bens da Recuperanda, inclusive por alienação fiduciária

Adicionalmente, os valores concedidos ao devedor , por meio o financiamento oriundo da operação de DIP, não se sujeitam ao concurso de credores e, em caso de convolação da recuperação em falência, são classificados como créditos extraconcursais, nos termos do art. 84, I-B da LREF, garantindo preferência de pagamento em relação aos demais credores.  

Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, aqueles relativos 
I-B - ao valor efetivamente entregue ao devedor em recuperação judicial pelo financiador, em conformidade com o disposto na Seção IV-A do Capítulo III desta Lei 

Além disso, os efeitos dessa operação são resguardados mesmo que a decisão que autorizou o financiamento venha a ser reformada em segunda instância. 

Art. 66-A. A alienação de bens ou a garantia outorgada pelo devedor a adquirente ou a financiador de boa-fé, desde que realizada mediante autorização judicial expressa ou prevista em plano de recuperação judicial ou extrajudicial aprovado, não poderá ser anulada ou tornada ineficaz após a consumação do negócio jurídico com o recebimento dos recursos correspondentes pelo devedor. 

 

 

Nesse sentir, mesmo ante a decisão superveniente em sentido negativo a concessão do financiamento, preservam-se as condições firmadas, inclusive quanto as garantias ofertadas proporcionalmente aos valores entregues aos Devedor. 

 

Sobre o tema, cabe destacar decisão no TJSP, pela qual se admitiu a cumulação da alienação UPI e DIP financing no mesmo procedimento, pelo qual parte do valor para aquisição do bem alienado foi alcançado por meio do DIP financing:  

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ALIENAÇÃO DE UPI. MARCA "TRIO" . Determinação de realização de nova AGC para deliberar sobre a validade da contratação de empréstimo, na modalidade DIP FINANCING, cujos créditos foram parcialmente utilizados para efetuar o pagamento de parte do preço da arrematação. Desnecessidade. Plano de recuperação que previu a alienação da marca, bem como a possibilidade de serem utilizados créditos extraconcursais injetados na operação da recuperanda, até o limite de R$ 10 milhões. Edital da arrematação que também previu a possibilidade de utilização dos referidos créditos . Validade da operação que independe de nova deliberação assemblear, mas apenas da análise de sua higidez pelo juízo a quo. RECURSO PROVIDO. 
(TJ-SP - AI: 21004958620218260000 SP 2100495-86.2021 .8.26.0000, Relator.: AZUMA NISHI, Data de Julgamento: 09/08/2021, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 09/08/2021). 

No sentido de demonstrar as possibilidade de explorar a recuperação judicial como meio de formar novos negócios, desta-se decisão do TJGO, na qual se admitiu a constituição de SPE como meio de financiamento do devedor: 

 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO SECUNDUM EVENTUM LITIS. RECUPERAÇÃO DE EMPRESA. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE COM PROPÓSITO ESPECÍFICO . ATENDIMENTO AO FIM EM DETRIMENTO DA FORMA. CAPITALIZAÇÃO DA EMPRESA. RECURSO PROVIDO. DECISÃO REFORMADA . 1- O agravo de instrumento é um recurso secundum eventum litis, motivo pelo qual sua análise deve se ater ao que fora efetivamente decidido, sob pena de supressão de instância. 2- Inobstante a formação da Sociedade com Propósito Específico não se enquadre na forma legal prevista para o financiamento de entidade empresarial em recuperação de empresa (DIP financing), ela atende à finalidade precípua do dispositivo que é possibilitar a retomada e continuidade da atividade empresarial, bem como a satisfação dos credores através dos pagamentos devidos, motivo pelo qual, amoldando-se ao espírito que informa a norma, deve a formação (SPE) ser autorizada. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. 
(TJ-GO 5140549-80 .2022.8.09.0000, Relator.: DESEMBARGADOR LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 1ª Camara Cível, Data de Publicação: 12/08/2022) 

 

Quanto ao tema, há forte inclinação jurisprudencial no sentido de que, por se tratar de patrimônio de afetação, a SPE não se sujeita ao processo de recuperação judicial, não respondendo pelo passivo da Recuperanda. 

O sucesso das operações mencionadas está diretamente vinculado à análise da situação processual e da atividade da Recuperanda, bem como ao estudo detalhado do caso concreto, a fim de considerar todos os cenários possíveis e garantir o máximo aproveitamento da operação. 

Isso posto, observa-se que, apesar de a recuperação judicial ser um processo oneroso para os credores, ela também pode representar uma excelente oportunidade para a formação de novos negócios. Isso ocorre tanto pela possibilidade de aquisição de bens de alto valor, livres de ônus, quanto pela atuação como credor beneficiário do produto da venda, assegurando a recuperação do crédito. Além disso, a recuperação judicial viabiliza a participação como financiador do Devedor, por meio da realização de operações garantidas por ativos robustos e com anuência do Poder Judiciário. Assim, a recuperação judicial pode se revelar uma estratégia vantajosa para investidores e credores que souberem identificar e estruturar boas oportunidades nesse contexto desafiador, transformando riscos em potenciais ganhos. 

 
 
 

Comments


bottom of page