A invasão tecnológica promovida com a regulamentação da duplicata virtual, apimentou a discussão sobre a obrigatoriedade, ou faculdade, de exibir a Duplicata no ato do ajuizamento de Ação de Execução, e se o boleto e demais documentos, suprem a necessidade da sua apresentação.
A dificuldade resulta do velho dilema, segundo o qual, no direito, por vezes o rabo é quem balança o cachorro. Tanto que, a despeito de estar prevista no artigo 889, §3º do Código Civil, com o reforço que lhe empresta a Lei 13.775/18, cujos efeitos de protesto são definidos nas disposições do art. 8º, § 1º da Lei nº 9.492/97, que regulamenta o protesto de títulos e documentos, o que em conjunto torna sua apresentação totalmente desnecessária, o tema segue enfrentando resistências, obstáculos e recusas diversas à sua efetivação.
Na prática, a não apresentação de duplicata propriamente dita não deveria impedir o protesto, nem o ajuizamento da execução, bastando que o credor apresente os instrumentos de protesto por indicação juntamente com os comprovantes de recebimento de mercadorias e/ou da prestação de serviços, atendendo assim ao que determina o art. 15, II, da Lei nº 5.474/68.
A propósito, esse é o ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho:
(...) Finalmente, em relação ao aceite por presunção (o comprador não assina a duplicata, retendo-a ou devolvendo-a, mas recebendo as mercadorias adquiridas), a constituição do título executivo depende da reunião dos seguintes elementos: a) protesto cambial - a duplicata deve ser protestada, seja com a exibição do título, seja por indicações. No primeiro caso, a cártula é elemento constitutivo do título executivo, devendo ser acompanhada do respectivo instrumento de protesto; no segundo caso, o próprio instrumento de protesto será o título executivo; e b) comprovante de entrega da mercadoria - a constituição do título executivo, na hipótese de aceite por presunção, compreende obrigatoriamente a prova escrita de recebimento da mercadoria pelo comprador(...)" Manual de Direito Comercial [livro eletrônico]: direito de empresa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016
Nesse mesmo sentido já se posicionou o Tribunal de Justiça de São Paulo:
CAMBIAL – Duplicata mercantil – Execução instruída com nota fiscal, comprovante de entrega de mercadorias, boleto bancário e respectivo instrumento de protesto – Admissibilidade – Dispensa da exibição da duplicata, diante da modernização das relações comerciais - Operações financeiras, em regra, têm abandonado o uso do papel, realizando a circulação da duplicata por via eletrônica, a chamada "duplicata virtual" – Cabimento – Basta a instrução do pedido com o boleto bancário, a nota fiscal, o comprovante de entrega da mercadoria e o instrumento de protesto por indicação, conforme precedentes do STJ – Manutenção da sentença que reconheceu a liquidez, certeza e exigibilidade do título executivo e rejeitou os embargos opostos à execução – Honorários recursais – Cabimento – Majoração dos honorários advocatícios de 10% para 15% do valor da causa – Inteligência do art. 85, § 11, do CPC - Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1004068-46.2019.8.26.0604; Relator (a): Álvaro Torres Júnior ; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sumaré - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/05/2022; Data de Registro: 02/05/2022)
E arredando qualquer dúvida que pudesse se manter, o mesmo entendimento é endossado pelo Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA VIRTUAL. PROTESTO POR INDICAÇÃO. POSSIBILIDADE. BOLETO BANCÁRIO ACOMPANHADO DO COMPROVANTE DE RECEBIMENTO DAS MERCADORIAS. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73 (LGL\1973\5). ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. DESNECESSIDADE DE EXIBIÇÃO JUDICIAL DO TÍTULO DE CRÉDITO ORIGINAL. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC/73 (LGL\1973\5) se faz de forma genérica, sem a demonstração exata das matérias sobre as quais o acórdão se fez omisso. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF. 2. Nos termos da jurisprudência desta eg. Corte, "As duplicatas virtuais - emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica - podem ser protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título não é imprescindível para o ajuizamento da execução judicial. Lei 9.492/97 (LGL\1997\85)." (REsp 1.024.691/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 12/04/2011). 3. A apresentação do boleto bancário, acompanhado do instrumento de protesto e das notas fiscais e respectivos comprovantes de entrega de mercadoria, supre a ausência física do título cambiário, autorizando o ajuizamento da ação executiva. Precedentes. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no AREsp 1322266/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 22/05/2019).
Portanto, na presença das notas fiscais, comprovante de recebimento das mercadorias, instrumentos de protestos e boletos bancários, a não apresentação do boleto não impedirá o ajuizamento da execução, havendo embasamento jurídico contra a alegação de violação ao art. 784 do CPC.
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