Cedente em Recuperação Judicial – Operar com ou sem coobrigação no contrato de cessão? Há alguma norma imposta para tanto?
- Renata Josino
- 19 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: há 7 minutos
Operações de antecipação de recebíveis estruturadas via Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) são ferramentas consolidadas para geração de liquidez no mercado brasileiro. No entanto, quando o cedente se encontra em Recuperação Judicial (RJ), surgem questionamentos sobre a possibilidade — ou obrigatoriedade — de as operações ocorrerem sem coobrigação – a possibilidade de recompra em caso de inadimplemento passará apenas a contemplar operações em que se detectou vício ou fraude - por parte do cedente, diferentemente do modelo tradicional, que prevê cláusula de recompra dos recebíveis inadimplentes por mero inadimplemento por parte do Sacado (insolvência).
Este informativo objetiva sanar eventuais dúvidas sobre a origem desta aparente obrigatoriedade que extirpa a coobrigação do Cedente, se ela decorre de uma exigência normativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM, atualmente regida pela Resolução CVM 175/2022), do regulamento dos próprios fundos, da política da administradora ou da gestora, além de discutir os riscos operacionais e jurídicos envolvidos em operações dessa natureza.
A Resolução CVM 175/2022, em vigor desde 3 de abril de 2023, consolida e moderniza o regramento dos fundos de investimento no Brasil, substituindo diversos normativos anteriores, incluindo a antiga Instrução CVM 356/2001, que regulamentava os FIDCs.
A regulação dos Fundos de Direitos Creditórios (FIDCs) está concentrada no Anexo III da Resolução CVM 175/2022, que disciplina:
A política de investimentos do fundo;
A elegibilidade e critérios de crédito dos direitos creditórios;
As obrigações da administradora e do gestor;
A governança, transparência e controles de risco.
A CVM não estabelece exigência expressa quanto à obrigatoriedade de operações serem ou não com coobrigação em casos de cedentes em Recuperação Judicial.
A norma obriga, sim, que os documentos do fundo, especialmente o regulamento, definam claramente:
Se a cessão é com ou sem coobrigação;
As consequências do inadimplemento dos sacados;
As regras para recompra ou substituição de créditos inadimplidos, se aplicável.
Portanto, a decisão de operar " sem coobrigação” decorre de:
Regulamento do FIDC;
Política interna da administradora e da gestora;
Análise de risco e governança do fundo.
A CVM não interfere diretamente nesse aspecto operacional, mas exige que haja clareza, governança, adequada precificação dos riscos e adequada comunicação aos cotistas. Desta forma, a prática de exigir cessão sem coobrigação de empresas em recuperação judicial não decorre de imposição da CVM.
Sob a ótica da Recuperação Judicial, a cessão de direitos creditórios com cláusula de recompra, não é automaticamente vedada pela Lei nº 11.101/2005 se o cedente já estiver em recuperação judicial. Para tanto, a obrigação de recompra terá previsão no Contrato de Cessão de Direitos Creditórios firmado após o pedido de recuperação judicial, e os créditos inadimplidos originados de fatos supervenientes, terão natureza extraconcursal (art. 49, caput, e art. 67 da LRF) e poderá ser exigido judicialmente contra o cedente, neste caso, a empresa Recuperanda.
Sendo assim, a Lei nº 11.101/2005 não proíbe expressamente que empresas em recuperação judicial assumam obrigações futuras, inclusive cláusulas de recompra, desde que não se trate de reforço de garantia a crédito anterior ao pedido.
Como a operação de cessão ocorre após o pedido, não se trata de reforço de obrigação ou garantia já existente, mas de nova obrigação extraconcursal voluntariamente assumida, com a expressa previsão de coobrigação por recompra futura de créditos inadimplidos, sendo considerada uma obrigação contratual típica e válida, e não um reforço a obrigação anterior.
Dessa forma, diante da ausência de vedação tanto pela CVM quanto pela Lei nº 11.101/2005, a inserção de cláusula de coobrigação nos Contrato de Cessão de Direitos Creditórios para empresas já em Recuperação Judicial, embora não seja a praxe do mercado, poderá trazer vantagens operacionais, senão vejamos:
Não se sujeitam ao plano de recuperação judicial;
Podem ser executados normalmente, fora do juízo recuperacional;
Têm preferência sobre créditos concursais, inclusive em caso de falência (art. 84, I da LRF).
A jurisprudência admite que obrigações posteriores à recuperação podem embasar protesto com fins falimentares e, se for o caso, pedido de convolação da RJ em falência.
Pressão negocial legítima;
Instrumento de coercitividade;
Risco efetivo de falência pode incentivar adimplemento espontâneo.
Empresas em RJ frequentemente aceitam descontos elevados na cessão dos seus recebíveis, seja para antecipar liquidez, seja por fragilidade de negociação;
O risco do sacado (não do cedente) pode ser baixo ou moderado, permitindo spread elevado e margem atrativa para o cessionário.
As empresas em RJ são obrigadas a prestar informações públicas e regulares, inclusive:
I demonstrações contábeis;
II plano de recuperação e relatórios mensais;
III eventuais decisões sobre alienação de ativos;
Isso confere ao cessionário maior previsibilidade e controle, diferente de operações com empresas privadas sem obrigação de transparência.
Portanto, embora a recuperação judicial envolva riscos jurídicos inerentes, a cessão de direitos creditórios com empresa em situação de soerguimento pode revelar-se uma operação altamente estratégica. A inclusão de cláusula de coobrigação nos contratos constitui um mecanismo legítimo de mitigação de risco, cuja utilização — embora menos frequente no mercado — não é vedada pela CVM nem pela Lei nº 11.101/2005. Seu desuso, na prática, decorre de diretrizes internas de governança dos fundos de investimento, bem como das obrigações fiduciárias atribuídas à gestora e à administradora, que, por prudência, tendem a evitar exposições contratuais que possam gerar incertezas na recuperação de créditos.
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