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Foto do escritorLetícia Maracci

Produtor rural como devedor solidário e os efeitos do processo de recuperação judicial

Introdução O procedimento da recuperação judicial tem se tornado uma ferramenta importante e muito empregada pelas empresas na busca do seu soerguimento, como meio para superação da crise. Contudo, é inegável que o deferimento do seu processamento exige grande esforço dos credores sujeitos aos efeitos do processo.  

 

Assim, consciente dos riscos de um eventual processo de recuperação judicial, aqueles que operam com empresas sujeitas ao processo de soerguimento utilizam de diversas ferramentas jurídicas com a finalidade de ter o seu crédito resguardado, tal como a assunção da garantia junto a devedores solidários, avalistas e coobrigados, os quais claramente não estão sujeitos aos efeitos do processo de soerguimento.  

 

Ante ao aumento dos processos de recuperação judicial do produtor rural, deu-se início a discussão quanto aos seus efeitos em relação produtor rural quando garantidor na condição de pessoa física.  

 

Como será demonstrado, a atividade do produtor rural não se confunde com a condição de garantidor de obrigação de terceiro, devendo ser respeitado os limites legais estabelecidos quanto a extensão dos efeitos do processo de recuperação judicial, caso contrário, corre-se o risco de esvaziar, por completo, toda e qualquer garantia prestada por quem exerce atividade rural, gerando grave desequilíbrio nas relações negociais firmadas.  

  

Da recuperação judicial do produtor rural 

A legislação falimentar expressamente estabelece que os efeitos do processo de recuperação judicial não se estendem aos coobrigados e obrigações solidárias, preservando os credores seus direitos. Assim, inexiste razão para que tal limitação legal também não se aplique àquele que exerce atividade rural, ainda mais quando este presente em parcela relevante dos negócios jurídicos firmando pelas empresas nos mais diversos seguimentos.  

 

Apesar da legislação falimentar dispor sobre a recuperação judicial do produtor rural desde a sua reforma, ainda é uma novidade para todos os operadores do mundo jurídico, o que vem acarretando certa confusão, principalmente, quando se trata dos efeitos do processo de soerguimento sobre as obrigações solidárias assumidas pelo produtor rural na condição de pessoa física, indivíduo.  

 

O processo de recuperação judicial do produtor rural tem como especificidade principal a possibilidade de ter no polo ativo, como “recuperando” a pessoa física, qual seja, o produtor rural, considerando que a legislação civil não exigir a inscrição na junta comercial para o regular exercício da atividade rural, mas tal requisito é necessário para o pedido de recuperação judicial: 

 

Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: 
§ 1º A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do 
§ 2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente. 

 

Entretanto, não se confunde o produtor rural, aquele que pode fazer jus ao processo de recuperação judicial, com a pessoa, indivíduo, que exerce atividade rural. A interpretação equivocada quanto a delimitação dos efeitos do processo de recuperação judicial e a condição de produtor rural corre o risco de esvaziar por completo as garantias pessoais, tal como avais, gerando imenso desequilibrado nas relações jurídicas firmadas, o que não era possível de previsão quando foram firmadas.  

 

Dos limites do processo de recuperação judicial  

 

A legislação falimentar é clara ao estabelecer que se conservam os direitos dos credores em face dos devedores solidários ante ao ajuizamento do processo de recuperação judicial, ou seja, a obrigação assumida como garantidor não está sujeita aos efeitos do processo de recuperação judicial:  

 

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. 
§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. 

 

Assim, facilmente se observa que o produtor rural quando assume a obrigação na qualidade de devedor solidário, inexiste qualquer relação com a atividade rural, inclusive, é comum que no instrumento que deu origem ao débito discutido, não se qualifica como tal.  

 

Nessa toada, a obrigação pela qual o devedor solidário responde não tem qualquer relação com desempenho da atividade rural, mas sim, no cumprimento do negócio jurídico firmando entre o Credor e a Devedora principal (Recuperanda), ou seja, a obrigação de garantir a satisfação do firmado entre as partes, caso a devedora principal não o faça.  

 

E como já mencionado, a referida obrigação não sofre os efeitos do processo e soerguimento, cabendo o regular prosseguimento da perseguição do crédito, nos termos originalmente firmados entre as partes: 

 

O entendimento jurisprudencial é pacífico quanto ao tema: 

 

Processo civil. Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Decisão que determinou a suspensão do incidente. Pedido de recuperação judicial da devedora Rossi Residencial S/A. Possibilidade do prosseguimento do feito em relação aos devedores solidários. Inteligência do art. 49, § 1º, da Lei nº 11.101/2005 e da Súmula nº 581 do STJ. Recurso provido.  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2285508-90.2023.8.26.0000; Relator (a): Ademir Modesto de Souza; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/08/2024; Data de Registro: 23/08/2024) 
 
APELAÇÃO. Embargos à execução. Decisão que declarou a natureza extraconcursal do crédito e que não suspendeu a execução contra o empresário em recuperação judicial e contra os devedores solidários. Inconformismo dos executados. 1. Execução amparada em cédula de crédito bancário com garantia fiduciária. Pedido de reconhecimento da natureza extraconcursal do crédito. Impossibilidade. Competência absoluta do Juízo da Recuperação Judicial. Inteligência do art. 49, §4°, da Lei 11.101/05. Precedentes de Seção do STJ. 2. Manutenção da execução contra os sócios/avalistas da dívida. Possibilidade. O deferimento do pedido de recuperação judicial da devedora principal (pessoa jurídica) não autoriza a extinção ou suspensão da execução em relação aos avalistas coobrigados ao pagamento do débito. Tema repetitivo 885, do STJ. Decisão parcialmente reformada. Recurso parcialmente provido.  (TJSP;  Apelação Cível 1030988-75.2023.8.26.0003; Relator (a): REGIS RODRIGUES BONVICINO; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/08/2024; Data de Registro: 23/08/2024) 

 

Inclusive, o referido entendimento resta sumulado pelo STJ, nos termos da súmula 581: 

 

A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória 

 

Assim fixado pelo STJ no tema repetitivo 885:  

 

A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005. 

 

Portanto, é inquestionável que a obrigação pela qual o devedor solidário responde não se submete aos efeitos do processo de recuperação judicial, entendimento em sentido contrário está em direta violação ao dispositivo legal e entendimento do STJ.  

 

É importante destacar que a legislação deve ser interpretada como um todo e, justamente, por tal razão, que o parágrafo sexto do mesmo dispositivo estabelece que só está sujeito ao processo de recuperação judicial do produtor rural as obrigações atreladas a atividade rural.  

 

Ora, tal disposição tem idêntica finalidade em relação a que dispõe sobre obrigações em face dos coobrigados, qual seja, proteger a dívida que não tem qualquer relação ao soerguimento e desempenho da atividade da Recuperanda (devedora principal). 

 

Entender em sentido diverso implica em reconhecer efeitos infinitos ao processo de recuperação judicial e estendendo os benefícios a queles que não tem relação a atividade desempenhada.  

 

§ 6º Nas hipóteses de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 48 desta Lei, somente estarão sujeitos à recuperação judicial os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos a que se referem os citados parágrafos, ainda que não vencidos. 

 

A legislação claramente dispõe que os efeitos do processo de recuperação judicial alcançam, somente, os crédito que decorram exclusivamente da atividade rural, ou seja, não há discussão que obrigação oriunda da posição de garantidor do negócio jurídico não está relacionada, nem da forma mais remota, com a atividade rural.  

 

Conclusão  

O crescente aumento do número dos processos de recuperação judicial é uma constante já há alguns anos, refletindo um aumento de 70% comparado ao ano anterior, como se observa segundos os dados levantados pelos veículos de informação1

 

Também se percebe que a referida ferramenta jurídica é utilizada de modo sazonal por determinados núcleos, tendo em vista que já houve uma crescente no ramo moveleiro, calçadista, madeireiro e, atualmente, o que se vê é o crescimento acelerado dos processos de recuperação judicial do produtor rural, com aumento de mais de 500% em determinados setores2

 

É inquestionável a presença relevante nos mais diversos negócios jurídicos entabulados no nosso pais e por tal razão, é de suma importância que o equilíbrio nas relações jurídicas seja assegurado, não sendo cabível a admissão de flexibilizações somente em favor de uma dos contratantes.  

 

O fato do coobrigado solidário ser produtor rural e figurar no processo como tal não tem o condão de descaracterizar a condição de garantidor da obrigação assumida em relação a devedora principal (Recuperanda). 

 

Em outros termos, a obrigação assumida pelo produtor rural pessoa física foi na condição de garantidor do negócio jurídico e não no exercício da atividade rural e, por tal razão, a obrigação devida não está sujeita ao processo de recuperação judicial, tendo em vista que além de ser devedor solidário, não está atrelada ao exercício da atividade rural.  

 

Nessa toada é o entendimento do TJGO: 
 
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5392436-70.2022.8.09.0178 . Comarca de Maurilândia 3ª CÂMARA CÍVEL (camaracivel3@tjgo.jus.br) AGRAVANTE (S): Mario Henrique Rezende Marcos AGRAVADO (S): Banco Do Brasil S/A. RELATOR: DESEMBARGADOR ITAMAR DE LIMA     EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MONITÓRIA CONVERTIDA EM EXECUÇÃO. 1. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRODUTOR RURAL. A recuperação judicial do empresário rural, sujeita todos os créditos existentes na data do pedido decorrentes da atividade rural, inclusive os anteriores à data da regularização do CNPJ junto aos órgãos competentes. 2. SUSPENSÃO DO FEITO. Cabe a suspensão das execuções que tramitam em face de produtores rurais em recuperação judicial, ainda que a dívida tenha sido contraída quando a parte trabalhava como pessoa física, usando seu CPF e, desde que decorrente da atividade rural. Recurso parcialmente provido. Decisão reformada. 
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5392436-70.2022.8.09.0178, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR ITAMAR DE LIMA, 3ª Câmara Cível, julgado em 12/10/2022, DJe  de 12/10/2022) 
 

Tal entendimento também é o aplicado no TJSP: 

 

GRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de Título Extrajudicial. Insurgência em face da Decisão que deferiu a suspensão dos atos executivos em face dos agravados pessoa física e pessoa jurídica. Pessoa jurídica em recuperação judicial. Deferido o processamento da recuperação judicial, todas as execuções em curso devem ser sobrestadas em face do devedor, pelo prazo de 180 (cento e oitenta dias) contados da decisão que autorizou a recuperação(Artigo 6º, caput, e § 4º da Lei 11.101/2005). Suspensão que, porém, não se estende aos coobrigados. Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. Aplicabilidade do Artigo 49, § 1º, da Lei 11.101/2005. Incidência do teor vinculante do Tema 885 do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 1.333.349/SP). Pessoa física figura como produtor rural e foi abrangido pelos efeitos da recuperação judicial. Incidência, porém, do teor dos Artigos 49, § 6º e 48, § 3º da Lei 11.101/2005.Apenas estarão sujeitos à recuperação judicial os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos previstos em lei. Agravante que comprova que crédito não foi obtido para o exclusivo exercício de sua atividade rural Decisão reformada, para autorizar a continuidade da execução em face do produtor rural. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.  
(TJSP; Agravo de Instrumento 2231308-70.2022.8.26.0000; Relator (a): Penna Machado; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 21ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/12/2022; Data de Registro: 08/12/2022) grifei 
 
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Execução de título extrajudicial – Indeferimento do prosseguimento da execução até manifestação do administrador judicial, a fim de averiguar eventual extraconcursalidade do crédito – Inconformismo – Procedência – Possibilidade de prosseguimento contra as pessoas físicas que figuraram como garantidores do contrato de abertura de crédito – Alegação de que a pessoa física (Carmen), na qualidade de produtora rural, foi alcançada pela recuperação judicial não é suficiente para a suspensão da execução contra ela, porque no contrato figura como garantidora - Créditos sujeitos à recuperação judicial são aqueles que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos elencados na lei - Hipótese não verificada nos autos- Inteligência dos artigos 48, § 3º e 49 § 6º da Lei 11.101/2005, com a redação dada pela Lei 14.112/2020 – Não evidenciado, neste momento, obstáculo para o prosseguimento da execução contra as pessoas físicas – Decisão reformada – Recurso provido.  
(TJSP;  Agravo de Instrumento 2128738-06.2022.8.26.0000; Relator (a): Daniela Menegatti Milano; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santa Adélia - Vara Única; Data do Julgamento: 07/11/2022; Data de Registro: 08/11/2022) grifei 

 

Portanto, fica claro que estender os efeitos do processo de recuperação judicial ao coobrigado, determinado a suspensão do feito executivos vai de encontro ao disposto na legislação falimentar e do próprio entendimento dos Tribunais, o qual claramente, tem como finalidade limitar os efeitos do ajuizamento do feito, preservando o direito dos credores, a fim de manter o equilíbrio entre as relações jurídicas firmadas entre as partes. 

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