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Foto do escritorMatheus Prusch

As possibilidades extrajudiciais de consolidação da propriedade e busca e apreensão de bens móveis após o marco legal das garantias (lei nº 14.711/2023)

Atualizado: 7 de jun. de 2024

A alienação fiduciária encontra sua previsão legal nos artigos 1.361 a 1.368-B do Código Civil. Teve seu nascimento no ordenamento jurídico brasileiro na década de 60 com o advento da Lei nº 4.728/1965 - posteriormente alterada pelo Decreto-Lei nº 911/1965 -, de modo que inicialmente poderiam ser alienados fiduciariamente somente os bens móveis (artigos 82 a 84 do Código Civil).  Unicamente a partir de 1997 estendeu-se a possibilidade do uso da alienação fiduciária para bem imóvel por meio da Lei nº 9.514/1997.


Portanto, apesar de existir uma normatização geral através do Código Civil, há regramentos distintos no que tange à alienação fiduciária de bens móveis e dos imóveis.

Muito embora haja essa diferenciação, a Lei nº 14.711/2023, promulgada em outubro de 2023, conhecida como “Marco Legal das Garantias”, trouxe inovações para todo o regramento da alienação fiduciária, abarcando tanto bens móveis quanto imóveis.

Entre as mudanças, o principal destaque fica por conta da “extrajudicialização”, fenômeno que cada vez mais ganha espaço no ordenamento jurídico nacional, visando maior celeridade, eficácia e eficiência nas relações jurídicas, além de auxiliar no desafogamento dos tribunais brasileiros tão sobrecarregados com o enorme volume de processos judiciais.


Nesse sentido, a inovação legislativa agora traz a possibilidade de consolidação extrajudicial da propriedade em nome do credor fiduciário a todo tipo de bens móveis e sua consequente busca e apreensão através de procedimento desenvolvido no âmbito dos Cartórios de Registro de Títulos e Documentos ou até mesmo dos DETRANs.


Esclarecendo, antes do advento da Lei nº 14.711/2023, somente era possível 1. a consolidação extrajudicial da propriedade em relação a bens imóveis por força da Lei nº 9.514/1997; e 2. a venda extrajudicial de bens móveis por força do art. 2º do Decreto-Lei nº 911/1965, hipótese em que, contudo, para que fosse efetuada a busca e apreensão do referido bem, seria imprescindível o ajuizamento desse pedido perante o Poder Judiciário, o qual poderia ser convertido em ação de execução (arts. 3º, 4º, 5º e 6º, Decreto-Lei 911/1965). Uma vez realizada a busca e apreensão por via judicial, em 5 dias era consolidada a propriedade e posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário.


Tal cenário sofreu alteração com a inserção dos artigos 8º-B, 8º-C; 8º-D e 8º-E no Decreto-Lei nº 911/1965 por meio do Marco Legal das Garantias.

Passamos a esclarecer como fazer uso desse procedimento extrajudicial e os passos a serem seguidos.


Primeiramente, no contrato em que realizada a alienação fiduciária em garantia, deve haver cláusula expressa e em destaque prevendo a faculdade do credor fiduciário promover a consolidação extrajudicial da propriedade perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos ou no DETRAN.


Na hipótese de os atos abaixo discriminados de processamento e execução serem praticados no âmbito do DETRAN, serão responsáveis por eles empresas registradoras de contrato credenciadas pelo DETRAN, conforme previsão do art. 8º-E, parágrafo único do Decreto-Lei nº 911/1965 c/c art. 129-B, Lei nº 9.503/1997.


Pois bem. Ocorrido o inadimplemento, o credor deverá notificar o devedor da mora, o que pode ser feito pelo envio de carta AR. Destacamos que é de suma importância que o credor guarde o comprovante do envio dessa notificação.

Na sequência, de posse do comprovante de notificação da mora, bem como de cópia do contrato e de outros documentos que permitam compreender e justificar o saldo devedor, o credor irá realizar requerimento para o Oficial Registrador (ou DETRAN) de consolidação extrajudicial da propriedade.


Contudo, antes de proceder à consolidação, o Oficial Registrador/Empresa Credenciada irá notificar o devedor para que pague voluntariamente a dívida no prazo de 20 dias, sob pena de consolidação da propriedade; ou então que o devedor prove que cobrança da dívida é indevida.


Essa notificação será preferencialmente feita através do e-mail do devedor indicado no contrato apresentado. Por isso, para fins de agilidade no procedimento, recomenda-se fortemente a indicação de endereço eletrônico do devedor no contrato, bem como a inserção de cláusula que o responsabilize por manter essa informação atualizada e correta ao longo da execução do contrato, especialmente para os fins dessa notificação prevista no art. 8º-B, § 6º do Decreto-Lei nº 911/1965.


Caso não seja haja a confirmação de recebimento da notificação por meio eletrônico no prazo de 3 dias úteis, o Oficial Registrador/Empresa Credenciada fará notificação postal com AR no endereço indicado em contrato.


Esgotado o prazo de 20 dias para pagamento voluntário, o Oficial Registrador/Empresa Credenciada irá promover a consolidação da propriedade fiduciária.


Nesse mesmo prazo de 20 dias para pagamento, o devedor deverá entregar ou disponibilizar o bem ao credor para que seja promovida a venda extrajudicial – do que terá direito a recibo –, sob pena de multa de 5% do valor da dívida.


Além da multa, não sendo entregue ou disponibilizado o bem, o credor irá requerer ao(à) Oficial Registrador/Empresa Credenciada a busca e apreensão extrajudicial do bem, desde que apresente junto do pedido o valor atualizado da dívida e a planilha com detalhamento da evolução da dívida.


Nesse sentido, o(a) próprio(a) Oficial Registrador/Empresa Credenciada irá, no caso de veículos, lançar restrição de circulação e transferência do automóvel no RENAVAM ou, no caso de outros bens, comunicar os órgãos registrais competentes para averbação da indisponibilidade e busca e apreensão extrajudicial.


Detalhe muito importante a ser observado pelo credor para evitar que seja condenado em perdas e danos decorrente de abuso de direito, é de que uma vez feita a apreensão do bem, deverá respeitar o prazo de 5 dias úteis conferido pela Lei ao devedor para que este pague a integralidade da dívida pendente e tenha a posse plena do bem restituída com o cancelamento da consolidação extrajudicial da propriedade, nos termos do § 9º do artigo 8º-C do Decreto-Lei 911/1965.


Portanto, tendo o credor retomado o bem, não poderá imediatamente promover sua venda.

Vale destacar que a lei assegura ao credor o direito de inserir no valor da dívida as despesas oriundas desse procedimento de consolidação e busca e apreensão extrajudicial do bem, bem como que não será responsável pelo pagamento de encargos tributários ou administrativos vinculados ao bem durante o período em que não tiver a sua posse plena. Passará a ser responsável por essas despesas somente após a apreensão do bem ou entrega voluntária pelo devedor.


Havendo saldo devedor remanescente, o credor promoverá a cobrança pela via judicial, como ordinariamente já era feito.


Diante de tudo isso, o procedimento de consolidação extrajudicial da propriedade foi recentemente considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 982 (RE nº 860.631).


Dentre os pontos positivos da consolidação extrajudicial da propriedade o principal é a celeridade e maior segurança àquele que cede crédito mediante alienação fiduciária em garantia.


No que diz respeito aos pontos negativos, está o de que - justamente por ser extrajudicial - há obrigação de que o Oficial Registrador ou a empresa credenciada junto ao DETRAN conduza o procedimento de maneira correta e legal a fim de que seja legítimo para que não ocorra a consolidação da propriedade de forma ilegal. Nesse sentido, todo o procedimento está submetido ao controle jurisdicional, podendo o devedor contestar a legalidade do procedimento judicialmente, em vista do princípio da inafastabilidade da jurisdição.


Esse problema pode se mostrar relevante visto que trata-se de novidade legislativa e não verifica-se na prática um movimento de adaptação e atualização dos oficiais registradores de algumas localidades ou dos DETRANs para que estejam prontos ao atendimento desse tipo de demanda, especialmente quando levado a efeito em comarcas do interior do Brasil, onde a prática tem demonstrado um procedimento extrajudicial mais propenso a falhas, as quais podem acarretar a nulidade ou anulação do procedimento extrajudicial perante o Poder Judiciário.


Não obstante, o procedimento judicial permanece à disposição dos credores, conforme previsão expressa do § 3º do artigo 8º-B do Decreto-Lei nº 911/1965, de modo que as novidades trazidas pelo Marco Legal das Garantias somente trazem benefícios aos credores fiduciários.

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