As Leis cambiárias, em geral, proíbem a obstrução da circulação dos títulos de crédito. Contudo, grandes empresas, quando atuam como compradoras de mercadorias ou contratantes de serviços, frequentemente impõem aos seus fornecedores a condição comercial arbitrária de que os direitos creditórios decorrentes desses negócios, mesmo que representados por duplicatas, não sejam transferidos/endossados a terceiros, como fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) e Securitizadoras, sem o consentimento do pagador/Sacado.
Neste estudo, apresentaremos o debate sobre a cláusula non cedendo no direito brasileiro, destacando sua invalidade, bem como a inaplicabilidade do artigo 286 do Código Civil como exceção à regra da livre circulação de créditos. O referido dispositivo legal tem sido erroneamente invocado como uma hipótese de limitação à emissão e circulação de duplicatas. No entanto, como demonstraremos, sua interpretação correta confirma a prevalência da livre cessão de créditos. Antecipando nossa conclusão, fica evidente que esse debate perdeu seu sentido à luz das disposições vigentes no direito brasileiro, reafirmando a liberdade de circulação de créditos sem restrições injustificadas. Assim, quaisquer disposições privadas nas quais o Sacado de um título de crédito tente vedar, limitar ou onerar a circulação de duplicatas devem ser declaradas nulas de pleno direito.
Antes de adentrar no debate, é importante ressaltar que o mercado financeiro e de capitais, incluindo operações de antecipação de recebíveis, é disciplinado pela ordenação jurídica pátria. A norma contida no artigo 192 da Constituição da República Federativa do Brasil é a de maior relevância sobre a matéria.
O mercado de antecipação de recebíveis, com raízes constitucionais, surgiu da necessidade de desconcentração de capital, desmobilização de recursos parados e democratização do crédito por vias alternativas. Além disso, a desintermediação financeira e bancária impulsionou o desenvolvimento jurídico das práticas que hoje constituem a securitização de recebíveis, resultando na aplicação de regras universais e gerais que fortalecem o mercado.
Foi nesse contexto que foi editada a Resolução nº 2907/01 do CMN, com a criação das FIDCs, instituições que, ao lado das securitizadoras, estão destinadas a viabilizar a realização dessa importante função econômica, captando recursos da poupança popular, e os investindo em direitos creditórios, servindo assim de fonte alternativa de fomento comercial aos meios usuais de crédito bancário.
Em consequência, os FIDCs passam a ser titulares dos direitos creditórios que adquirem por meio de contrato típico de cessão de crédito, regulado no art. 286, e seguintes do Código Civil:
Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.
Juridicamente, no que interessa ao debate aqui travado, na imensa maioria das ocasiões, a operação da cessão dos direitos creditórios se viabiliza pelo endosso da respectiva Duplicata Mercantil, ato típico do regime cambial.
CLÁUSULA NON CEDENDO CELEBRADA ENTRE SACADOR E SACADO QUE OBJETIVA LIMITAR A EMISSÃO E A CIRCULAÇÃO DE TÍTULOS DE CRÉDITO.
Em determinadas operações de antecipação de recebíveis, sobretudo nas denominadas comissárias1, os FIDCs e as Securitizadoras se deparam com situações em que Sacado e Sacador (cedente do “contrato-mãe”2) da duplicata, formalizam contrato particular em que, por imposição do primeiro, não poderiam ser emitidas duplicatas das faturas/notas fiscais decorrentes da relação entre os contratantes, tampouco ser transferido o crédito (por endosso ou cessão) a terceiros.
Trata-se do assim chamado pacto non cedendo, condição contratual privada imposta pelo Sacado ao Sacador na assinatura de contratos de fornecimento, que tem o objetivo prevenir que seus créditos e ativos não circulem no mercado através de duplicatas.
O principal objetivo da cláusula non cedendo, portanto, é antieconômico, pois destinado a impedir a emissão de duplicatas para antecipação de recebíveis por suposta ineficácia erga omnes do título de crédito negociados com FIDCs e Securitizadoras, sustentando que se trata de uma obrigação incessível, já que o instrumento do qual se originou o crédito vedaria expressamente a cessão sem a anuência do Sacado, logo a operação se mostraria inexistente no plano da validade e eficácia.
É intuitivo, portanto, que um debate jurídico se centrasse na validade dessa cláusula.
Com efeito, ao tempo em que a securitização via antecipação de recebíveis era novidade com a qual os tribunais não estavam familiarizados, a ideia de risco (associada ao tema do factoring, que é um tópico para outro artigo, e que seria superado com o tempo), causou preocupação para o setor, pois resultou em interpretação equivocada do alcance do art. 286 do Código Civil, uma aplicação inadequada da legislação civil, que desconsiderava totalmente o subsistema do direito comercial. Vejamos:
EMENTA – “Embargos à execução Contrato de Prestação de Serviços – Emissão de duplicatas Cessão de Crédito Pretensão da embargante de extinção da execução Contrato de Prestação de Serviços cedido que possui cláusula proibitiva de cessão Impossibilidade da cessão Art. 286 do CC - Pacto de “non cedendo” Vedação derivada de convenção - Boa-fé do exequente cessionário não configurada, pois tem o dever de diligência quanto à documentação e validade do credito cedido. Embargos acolhidos em parte para extinguir a execução Recurso provido em parte.”
(TJ-SP, Apelação n° 1082397-95.2020.8.26.0100, Relator Thiago de Siqueira, Data de Julgamento:03/05/2022, 14ª Câmara de Direito Privado). (gifei).
EMENTA – “APELAÇÃO CÍVEL. Ação revisional de contrato cumulada com obrigação de fazer, repetição do indébito e pedido de tutela de urgência. Sentença de extinção do feito em razão de ilegitimidade ativa. Insurgência dos autores. Não acolhimento. Autores que não figuram no contrato cuja revisão pretende. Invocação da qualidade de cessionário do compromisso de compra e venda. Não comprovada anuência das rés na cessão, bem como o preenchimento dos demais requisitos previstos no contrato originário. Ineficácia do negócio jurídico celebrado entre os autores e terceiros, sem a anuência expressa da vendedora. Contrato de cessão que, para a ré constitui "res inter alios acta", dada a vedação de transferência sem a anuência expressa da alienante. Validade da cláusula contratual que veda a cessão sem anuência expressa da vendedora. Previsão no contrato de compra e venda originário que não se mostra abusiva. Cláusula mantida e que deve ser observada. Alegação de anuência tácita da vendedora. Não acolhimento. Anuência que não pode ser tácita, mas sim, expressa, e ainda cumpridas as formalidades legais para a concretização da cessão, como o pagamento de taxa e registro junto ao Cartório de Imóveis. Ilegitimidade ativa configurada. Extinção do processo sem resolução de mérito bem decretada. Sentença mantida. RECURSO DEPROVIDO. (TJ-SP – Apelação nº 1000828-90.2021.8.26.0115, Relator: Rodolfo Pellizari, Data de Julgamento:08/09/2021, 5ª Câmara de Direito Privado). (grifei).
Nessas situações, os FIDCs e/ou as Securitizadoras acabavam muitas vezes sendo prejudicados quando notificavam o Sacado do título e recebiam a negativa da realização do pagamento a seu favor, ficando por vezes à mercê da vontade do Cedente de lhe repassar os respectivos valores.
DA ILEGALIDADE DA VEDAÇÃO À EMISSÃO E CIRCULAÇÃO DAS DUPLICATAS - ART. 10 DA LEI Nº 13.775/2018.
Com o tempo, todavia, tanto o legislador quanto a jurisprudência passariam a entender melhor o sistema de securitização via antecipação de recebíveis empresariais, sua importância econômica e a necessidade de dar proteção jurídica aos contratos. Primeiro com a superação da ideia de risco assumido, que pelo entendimento anterior convertia a securitização em factoring; depois, com o reforço legislativo, a declarar a natureza antieconômica do pacto non cedendo, reafirmando que nenhum contrato privado se coloca acima do direito e da economia, especialmente quando restringem a circulação de riquezas, finalidade maior que deu azo ao surgimento das FIDCs (democratização do crédito e desmobilização de capital).
Diante desse contexto, o Congresso Nacional, amplamente apoiado pelo segmento de securitização de ativos empresariais, editou a Lei Complementar nº 147/2014, que, dentre outras disposições, incluiu o art. 73-A na Lei Complementar nº 123/2006, que passou a declarar a nulidade absoluta dos pactos privados que previnem ingresso no mercado ativos circulantes:
Art. 73-A. São vedadas cláusulas contratuais relativas à limitação da emissão ou circulação de títulos de crédito ou direitos creditórios originados de operações de compra e venda de produtos e serviços por microempresas e empresas de pequeno porte.
Não obstante, ainda foi promulgada a Lei nº 13.775/2018 (art. 10 da Lei da Duplicata Escritural), justamente com vistas a expandir a eficácia da disposição contida no art. 73-A da Lei Complementar n° 123/2006 (limitada a microempresas e empresas de pequeno porte) a todas as empresas, declarando de forma solene que são nulas de pleno direito quaisquer disposições privadas nas quais o sacado tente vedar, limitar ou onerar a circulação de duplicatas, superando de vez a equivocada interpretação, data venia, do art. 286 do CC, in verbis:
Art. 10. São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que vedam, limitam ou oneram, de forma direta ou indireta, a emissão ou a circulação de duplicatas emitidas sob a forma cartular ou escritural. Grifei.
No plano do debate democrático, pode-se admitir questionamento à adequação política da norma, mas não se pode recusar sua imperatividade, cabendo ao Poder Judiciário fazer valer a determinação legislativa, sobretudo em razão dos nefastos efeitos antieconômicos provocados pela inobservância de legislação, que surge justamente com vistas a colocar uma “pá de cal” sobre o tema, visando prestigiar as operações realizadas no âmbito da securitização, pois servem de instrumento de circulação de renda atendendo preceitos públicos da economia e do mercado.
Na prática, com as alterações normativas, o debate que o tema invoca se tornou muito mais econômico do que jurídico, a divisar, de um lado; (a) o interesse particular de grandes empresas; e do outro (b) o interesse público na circulação de riquezas.
O referido dispositivo, que foi criado justamente para dar segurança jurídica às operações realizadas no setor de securitização de ativos e trazer efeitos positivos para a economia, não pode ser ignorado em benefício dos interesses privados de poucos grandes compradores/tomadores que, por conveniência, preferem evitar o trabalho e o desprazer de realizar o pagamento aos titulares do crédito (FIDCs/Securitizadoras), optando por continuar pagando ao credor original (Sacador).
As Securitizadoras e FIDCs são importantíssimos instrumentos para auxiliar empresas de diferentes portes com a antecipação de seu fluxo de caixa, não podendo ser surpreendidas com cláusulas de negócios jurídicos que não participaram para receber valor que claramente são credores, sob pena de extrema insegurança jurídica para o desenvolvimento de suas atividades.
E nem poderia ser diferente: a defesa do interesse econômico de um único agente devedor jamais se elevaria acima da importância econômica que a circulação de títulos de crédito exerce para toda economia.
A ampliação da oferta de crédito proporcionada pelos FIDCs e Securitizadoras beneficia diretamente milhares de sociedades empresárias dos mais variados portes com a melhoria e equilíbrio do seu fluxo de caixa, promovendo a desintermediação financeira e a ampliação da oferta de crédito com o reforço de canais de distribuição não bancários.
Foi apreciando esse conjunto de razões que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já enfrentou a questão, no julgamento do agravo de instrumento nº 2176967-65.2020.8.26.000, ementado nos seguintes termos, a reforçar a nulidade de pactos privados que impedem a circulação de duplicatas, veja-se:
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA – Suspensão de inscrição de nome em cadastro de inadimplentes – Inadmissibilidade – Duplicatas aparentemente que foram cedidas – Cláusula proibitiva de cessão que é nula por expressa disposição legal – Caso, ademais, em que há indícios de conhecimento da cessão pelo devedor e que não foi prestada caução nos autos – Requisitos legais presentes – Inteligência do art. 300 do Cód. de Proc. Civil - Decisão reformada – Agravo de instrumento provido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2176967-65.2020.8.26.0000; Relator (a): José Tarciso Beraldo; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/10/2020; Data de Registro: 06/10/2020). Grifei.
E no julgamento da Apelação Cível nº 1064371-49.2020.8.26.0100 pela 15ª Câmara de Direito Privado:
(...) De se notar, ainda, que à época da celebração do negócio (21/05/2015 fl. 82), essa disposição contratual representava prática comum no mercado comercial e não havia qualquer impedimento legal.
Somente após o advento da Lei nº 13.775/2018 (art. 10), vigente a partir de 19/04/2019, passou a existir vedação legal de previsão contratual nesse sentido. (...) grifei.
Outras Cortes também já adotaram a mesma percepção, como é o caso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que igualmente reconheceu a aplicabilidade do dispositivo em questão:
(...) Por esse motivo, quanto a esse aspecto em específico, a previsão contratual acerca da vedação à emissão de títulos para a cobrança de créditos passa a se sujeitar à legislação vigente à época de cada renovação do ajuste. E como já destacado, o art. 10 da Lei 13.775/2018, vigente a partir de 19/04/2019, prevê a nulidade absoluta e de pleno direito das cláusulas contratuais que vedem, limitem ou onerem, de forma direta ou indireta, a emissão ou a circulação de duplicatas emitidas sob a forma cartular ou escritural. (...)
(Acórdão 1358731, 07054414820208070001, Relator: MARIA IVATÔNIA, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 28/7/2021, publicado no DJE: 12/8/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.). grifei.
Dessa forma, o art. 286 do CC jamais poderia ser aplicado em casos envolvendo o endosso de duplicatas, em especial na operação de securitização de ativos empresariais em que atuam os FIDCs e Securitizadoras. Entretanto, ainda que se admitisse tal aplicação, o que se aceita somente por amor ao debate, não pairam dúvidas de que tal interpretação cai por terra com a edição da Lei Federal nº 13.775/2018, já que trata especificamente sobre o tema e, como se sabe, pelo princípio da especialidade (lex specialis derogat generali), merece prevalecer a norma especial em um conflito aparente (nesse caso, repita-se, inexistente).
INCIDÊNCIA DA MÁXIMA RES INTER ALIOS ACTA, ALLIS NEC PRODEST NEC NOCET.
O princípio pacta sunt servanda, ou da força obrigatória dos contratos, evidentemente somente pode atingir as partes que dele participaram, já que se baseia na declaração de vontade dos contratantes.
Nas operações realizadas por Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios e as Securitizadoras, que atuam com a securitização de ativos empresariais, que, nessas hipóteses, estão ilustrados por duplicatas a eles endossadas é absolutamente irrelevante verificar se as partes celebraram uma avença. Perceba-se que não é obrigatório que para cada operação mercantil ou prestação de serviço as partes tenham que celebrar um contrato escrito. Aliás, na esmagadora maioria das vezes não há celebração de qualquer contrato solene.
Geralmente a prestação de serviços e a operação mercantil são documentadas tão somente pelos documentos fiscais (NFe, CTe, nota fiscal de serviços, etc.), de modo que, existindo o contrato particular, o FIDC e a Securitizadora só podem ter acesso a este se lhe for apresentado. O que na prática jamais ocorre, pois as operações de securitização de recebíveis com sua antecipação à endossante se materializam através do endosso da duplicata lastreada na nota fiscal na qual o Sacado figura como tomador do serviço e/ou da mercadoria.
O art. 2º da Lei nº 5.474/68 (Lei das Duplicatas) é claro ao dispor que “no ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial”. Ou seja, a duplicata tem por origem a fatura/nota fiscal, não estando vinculada a qualquer contrato.
À espécie, como se verá a seguir, se aplica outro princípio, também de origem românica, qual seja res inter alios acta, allis nec prodest nec nocet, ou seja, “os atos dos contratantes não aproveitam nem prejudicam a terceiros”, como decidiu o E. TJSP, em decisão ainda anterior à Lei nº 13.775/2018, tornando nulas de pleno direito tais cláusulas, justamente por não vincular terceiros:
Ação declaratória de inexigibilidade de títulos (duplicatas) – Duplicatas decorrentes de contrato de prestação de serviços celebrado entre a autora e a corré Tellus, posteriormente cedidas ao Banco Daycoval em cessão de direitos creditórios. Duplicata mercantil nº 1409 – Inexistência de causa jurídica válida a legitimar o saque – Serviços reconhecidamente não prestados pela corré Tellus à autora Claro – Inexistência de elementos a infirmar a presunção de boa-fé da declaração prestada pela emitente do título – Banco corréu não se desincumbiu do ônus que lhe competia, nos termos do art. 333, II, do CPC – Inexigibilidade do título reconhecida – Sentença reformada – Recurso provido. Duplicata mercantil nº 1408 – Existência de causa jurídica válida a legitimar sua emissão – Comprovação de que o crédito foi excluído do quadro geral de credores, em impugnação na recuperação judicial da corré Tellus – Cláusula proibitiva de cessão de crédito e endosso constante do contrato de prestação de serviços celebrado com a autora não pode ser oposta ao Banco, por se tratar de terceiro de boa-fé – Aplicação do princípio "res inter alios acta, alios nec prodest nec nocet" – Exigibilidade do título preservada – Sentença mantida – Recurso negado. Recurso provido em parte.
(TJ-SP - APL: 10126301420138260100 SP 1012630-14.2013.8.26.0100, Relator: Francisco Giaquinto, Data de Julgamento: 16/12/2015, 13ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/12/2015) (grifei)
Veja-se que de posse de uma nota fiscal/fatura e da duplicata, uma vez que a legislação descreve a nulidade de cláusulas privadas de restrição de circulação de duplicatas, é literalmente desnecessário buscar tal conhecimento, que jamais impediria a realização da operação. Ou seja, a previsão do art. 10 da Lei nº 13.775/2018 já é, por si só, suficiente para afastar suposta obrigação de investigação de instrumentos particulares pelo adquirente do título de crédito (endossatário).
Depois, é impossível a qualquer agente de mercado, saber se aquela cártula foi emitida em violação de contrato privado firmado entre o Sacador com o Sacado, já que a duplicata mercantil ou de prestação de serviços é emitida pelo próprio credor, que, nesse caso, é o Sacador do título. Ou seja, a menos que o Sacador informe que está violando o contrato, esta é uma informação que, na melhor das hipóteses, somente será obtida quando o Sacado for notificado para pagamento.
A endossatária/portadora do título de crédito estaria sempre à mercê da boa-fé do Sacador para apresentar o contrato, se existente, sem ter como acessar um documento cuja existência é desconhecida. Isso gera uma considerável insegurança, pois o FIDC/Securitizadora não teria como adotar qualquer cautela, por mais diligente que fosse, estando sempre sujeita à oposição de uma cláusula cuja existência é desconhecida.
E é exatamente aqui que se faz visível a importância da Lei 13.775/18 (art. 10), que impede uma gravíssima assimetria de informação, geratriz de toda sorte de oportunismos, já que basta ao credor primitivo que saca o título (Sacador), em conluio com o Sacado, omitir a informação do contrato privado, para receber o pagamento em duplicidade, e o Sacado, mesmo sendo informado da dívida, recusar-lhe o pagamento pelo mesmo motivo.
Isso posto, é evidente que a cláusula non cedendo, frequentemente utilizada pelo Sacado para tentar se eximir de suas obrigações, não pode cumprir tal função por 02 (duas) razões principais: (i) é nula de pleno direito, conforme a expressa disposição legal do art. 10 da Lei nº 13.775/2018; e (ii) a vedação não pode ser oposta aos FIDCs/Securitizadoras, visto que estes são terceiros de boa-fé que não participaram da relação contratual original, aplicando-se o princípio res inter alios acta, allis nec prodest nec nocet (“os atos dos contratantes não aproveitam nem prejudicam a terceiros”).
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